teia de afetos, 2018
exposição de Silvana Macêdo, curadoria de Juliana Crispe
A exposição Teia de Afetos nasce do olhar materno de Silvana Macêdo, um jeito particular de perceber e sentir o mundo que a transformou no momento em que seu filho chegou em seus braços. Das insignificâncias quotidianas e dos repetitivos gestos diários que envolvem o cuidado materno emergiu uma poesia modesta, uma hipersensibilidade aos pequenos sons e quase imperceptíveis ocorrências. A exposição reúne dois trabalhos, a série fotográfica Devoção e a vídeo instalação Sombra de Névoa.
Em Devoção, série fotográfica, Silvana partilha fragmentos de sua experiência materna dialogando com o quotidiano de outras duas mães artistas. Ao evidenciar o espaço íntimo destes três lares, o trabalho procura dar visibilidade aos inúmeros pequenos atos devocionais que elas realizam diariamente. Há uma negociação constante entre suas necessidades pessoais e profissionais, com o tempo e o cuidado dedicados a seus filhos. É neste cuidado diário que uma teia invisível de afetos vai se constituindo, sendo ela estruturante para a criação.
Já em Sombra de Névoa, vídeo instalação multicanal, Silvana propõe revisitar o passado. A personagem criança penetra num espaço que parece separar a vida e a morte, tentando compreender o grande abismo que se estabeleceu entre ela e sua mãe que já partiu. A fluidez da memória e dos espaços subconscientes são refletidos nas imagens subaquáticas que compõem os vídeos.
(…) Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Poema Eu, de Florbela Espanca
O vídeo sugere a transcendência temporal e material desta trama delicadamente tecida entre mãe e filho. Entre tantas relações em nossa condição humana, certamente para Silvana, este é um elo que perdura e que ela carrega como uma marca que a atravessa e molda.
Devoção e Sombra de Névoa expõem a intimidade do lugar híbrido entre filha e mãe que a artista ocupa e refletem sobre o impacto do maternalismo em sua vida. Em um ato de alteridade, Silvana também dá ao público a possibilidade de participação na exposição, incluindo fotos de suas mães para compor a um trabalho colaborativo, ampliando sua teia de afetos com imagens e lembranças alheias carregadas de emoções.
Também, para além de potencializar essas relações de caráter mais intimista, o trabalho nos provoca a observar a experiência de maternar enquanto ato social. Podemos perceber que muitas mulheres conseguem criar seu próprio jeito de ser mãe desfazendo muitas amarras reminiscentes de uma ideologia patriarcal, que insiste em reproduzir arcaicas e limitantes relações de gênero historicamente construídas. Ideologias que por séculos ditaram as normas, que oprimiram, desqualificaram e domesticaram a vida de mulheresmães, de acordo com interesses masculinos. Ao romper com modelos pré-estabelecidos, as mães contemporâneas expressam corajosamente sua subjetividade materna, demonstrando que ela pode ser vivida de forma empoderada e enriquecedora. Em atos de escutas atentas, as estórias aqui registradas revelam que há muitas novas e criativas maneiras de ser mãe. Como ato político, o trabalho de Silvana Macêdo se alinha com o de outras mulheres mães que refletem, flexionam e questionam seus papéis na contemporaneidade.
texto de Juliana Crispe e Silvana Macêdo